Ingredientes:
4 postas de bacalhau demolhado
2 kg de batatas
2 cebolas
3 dentes de alho
1 l de leite
1,5 dl de azeite
1 folha de louro
Sal e pimenta q.b.
Sentimento constante de desconforto perante o vazio do mundano q.b.
Preparação:
Descasque as batatas num acto de suposto amor à gastronomia, como amantes que amam sem saber e que se olham sem realmente se verem.
Depois, corte-as ao meio, lave-as, despoje-as de tudo o que fez delas batatas para começar, e coza-as em água temperada com sal durante aproximadamente 20 minutos.
Noutro tacho e, quiçá, numa outra vida, algures neste tempo que teima em não passar, leve ao lume um tacho com o leite.
Deixe ferver, junte as postas de bacalhau e, por baixo de uma aparente indiferença, deixe cozer durante 10 minutos.
A natureza melancólica da cozinha assola a mente dos mais inquietos. Por isso, retire o bacalhau assim que sentir que ele está cozido, escorra-o e coloque-o num tabuleiro de loiça.
Na verdade, não precisa de ser de loiça. Isto é a receita a ditar. Fria. Autoritária. E eu, inseguro(a) que sou, obedeço.
Descasque as cebolas e os dentes de alho, pique tudo, junte o louro e o azeite e despeje tudo num tacho, qual Ícaro a tombar, de asas desfeitas, no negrume do desconhecido.
Leve ao lume e deixe cozinhar até a cebola ficar transparente, quase invisível. Num mundo só seu.
Nos tempos que se seguirem, tempos estes onde quase tudo se tira e já quase nada se dá, faça a diferença e adicione 1 dl do leite de cozer o bacalhau, mexa, tempere com sal e pimenta, e deixe ferver um pouco antes de retirar o preparado de um lume que apenas queima por fora.
De forma distante e cansada, ligue o forno a 200ºC.
Escorra as batatas, ou o que resta delas, e reduza-as a puré. Como se não fosse suficiente tudo pelo que já passaram.
Junte o restante leite de cozer o bacalhau, aos poucos, e apenas o necessário até ficar um puré macio e consistente. Como se... como se uma nova vida quiséssemos dar, uma nova eternidade a que as batatas podem aspirar e que, de qualquer maneira, na Última Instância, não lhes servirá de nada.
Tempere com uma pitada de sal refinado - apenas no nome - e outra de pimenta. Sabor que se adiciona em salpicos, como os de água da praia que sobre nós se polvilham a gosto em Agosto.
Espalhe a cebola em cima das postas de bacalhau, e disponha o puré de batata em montinhos, pequenas e metafóricas famílias como as que via no Beato em criança, à volta do mesmo.
Leve ao forno até ficar bem douradinho, retire e sirva ainda quente, num gesto de perseverança e generosidade, consciente de que por mais voltas que o mundo dê, o futuro é sempre para a frente.