Chouriço

Chouriço is a spicy portuguese smoked sausage, made with pork meat, pork fat, wine, paprika and salt, stuffed into tripe (natural or artificial) and slowly dried over smoke. It can be served as part of a meal or used as a dildo.

quarta-feira, outubro 23, 2024

Catarse

Estou de pé. Acho.
Sei que tenho cinco sentidos, mas não consigo perceber se estão a funcionar, nem a que percentagem.
Alguém me diz alguma coisa, mas as palavras atravessam-me como se fosse feito de água, e seguem o seu caminho para o oblívio.
Sinto um braço. Depois um abraço. Ouço a minha mãe. Quero a minha mãe. Quero voltar para casa. Mas não sei o caminho.

Tenho de andar. Sinto que se não andar vou ser engolido pelo solo. Toda esta realidade parece feita de areia movediça.
Dou um passo. Dois. Dez. Quantos?
Não sei onde estou. Mas não estou onde estava. Nem há forma de voltar.

Já está de noite. Agora é de dia. O tempo deixou de ser linear na minha cabeça.

Vejo uma sombra sobre mim. E em baixo. A toda a volta.
A sombra tem dentes? Espero que sim.
Deixo-a engolir-me sem qualquer resistência. Tragado por mandíbulas informes, a caminho do estômago de um qualquer animal inexistente e inidentificável.

Ouço as vozes lá fora. Não ligo. Não quero saber. Deixem-me em paz. Deixem este monstro digerir-me à vontade, e evacuar o que sobrar de mim.

Os olhos ardem-me. Deve ser dos sucos gástricos. Ou das lágrimas.
Há quanto tempo é que não durmo?
Eu tento. Eu bem o tento.
Fecho os olhos, mas nada acontece. Apenas mais trevor. E antes do descer das cortinas, ainda consigo vê-los. Os meus sonhos. E os teus, amor.
Os nossos, todos. A fugir.





E o tempo passa.





Quer queira, quer não.
Quer olhe para o relógio, quer não.

O tempo passa, e passa, e passa, e passa.

O que não passa é esta sensação de vertigem.
Como se estivesse a cair sem parar.
Estou farto.
Despacha-te, chão.
Quero abraçar-te com todo o peso da minha consciência.

Perco-me continuadamente nestes ciclos de pensamentos. De sentimentos.
E a cada ciclo, o porquê. Porque continuo aqui?
Depois olho para o lado e vejo-os. Aos três. A dormir. Colados. Unidos. Descansados.
Enroscados na segurança e no afecto que lhes forneço.
E lembro-me do que tu me pediste. Várias vezes.
Tu pediste.
E eu estou a tentar, amor.
Estou a tentar de tudo.

Mas não sei como educar estas emoções.
Não sei.
Se grito, é sem fazer qualquer barulho, porque a minha boca e os meus dentes insistem em permanecer cerrados.
Tenho vontade de destruir todas as mesas do mundo ao murro. Ou os meus punhos no processo.
De só parar quando o peso da tua perda for demasiado para conseguir sequer manter os braços erguidos.

Mas a realização permanece.
Já não estás aqui.
Nesta galáxia. Neste sistema solar. Neste planeta. Neste continente. Neste país. Nesta terra. Nesta casa. Aqui. Comigo.

Ia adorar que estivesses aqui.
Ou aí.
A minha vontade de estares aí, metafisicamente, a olhar para nós, não passa disso mesmo: de uma vontade.
Não há outros planos. Nem de existência, nem meus de vida.

Sinto-me claustrofobicamente cercado desta mortalidade.

Estou sempre a senti-la.
A ouvi-la.
Nas palavras dos outros.

"Mata esse processo."
"Não podes morrer para a vida."
"Estás um pouco mortiço hoje."
"Isto hoje está pela hora da morte."
"Temos de combinar um café. Morro de saudades tuas."
"Estou a morrer de calor."
"Então, estás vivo?"

Já pedi tantas e tantas vezes, e a tantas pessoas, para o evitarem. Para não o dizerem.
Mas não.
Não dá.
É inconsciente.
Faz morbidamente parte do discurso do dia-a-dia.
A morte continua nas vossas palavras. E na minha cabeça.

De cada vez que as dizem, vocês não as ouvem.
Mas eu ouço. Ouço-as todas. Nunca fui tão bom ouvinte.
E cada uma é um soco onde mais dói.
E a constante lembrança do porquê da tua ausência, amor.





Faz hoje três anos que partiste.





Faltas-me.





Mas pediste-me.
E eu vou continuar a tentar.
Todos os dias.
Tenho falhado. Todos os dias.
Mas vou continuar a tentar.
Até conseguir cumprir o que me pediste.

Será o meu último presente.
Para ti, de mim, que te amo, Dora.


quinta-feira, março 07, 2024

Vacuidades

 Obrigado, KoRn.


Foram uns maravilhosos 26 anos no topo do meu favoritismo musical.

A falarem-me visceralmente ao ser e ao ego. A servirem de amparo, almofada e, às vezes, muitas vezes, de reforço para as minhas emoções mais fortes e potencialmente destrutivas.


Mas, como tudo o que enfrenta o teste do tempo, as coisas mudam.

Eu já não sou o mesmo.

Vocês também não.


E fui conhecendo outras bandas.

Fui saindo com amigos, e frequentando sonoramente outros espaços.

E, em 2022, no VOA, conheci os Gojira.


Saí daquele certame musical com vários earworms dos quais não fiz conscientemente caso.

Mas algo mais vinha comigo. Uma espécie de memória involuntária e proustiana pegajosamente despoletada por eles.


Levei dias, semanas até conseguir processar devidamente este corpo estranho que psicossomaticamente me acompanhava.

Sentei-me. Desliguei a noção da passagem do tempo e dediquei-me a escutar.

Ouvi os principais temas. Depois álbuns completos. Toda a discografia. Repeti doses. Canoros manjares.


E finalmente percebi.

Sempre fui extraordinariamente exigente no que toca a música. O que ouço tem de "me" falar. De me chegar ao imo.


E, no meu âmago, no meu baluarte de egolatria, por detrás de portadas vitruvianas de autoconservação, imperava o silêncio.

Até os irmãos Duplantier as abrirem e rebentarem a metafórico pontapé.


A mensagem havia fonograficamente chegado.


Gojira simboliza todo um conjunto de decalques que todos nós, enquanto seres cogitantes e sencientes, podemos e devemos possuir.


Gojira pede-nos para largarmos o "eu" em prol do "nós". O foco da sua música, das suas letras, das suas mensagens, está mais no que nos rodeia, e menos nas nossas autopatias.

Gojira aborda a vida, a morte, o renascimento do ser, a natureza (a nossa, a dos outros, e A natureza), o ambiente e os outros organismos.

Gojira olha para a condição humana e o nosso lugar neste planeta enquanto seus guardiões.


Quando Gojira toca, aqui cai o ego.

Finge-se que não se conhece Narciso, abandona-se o falso valor da nossa própria significância, vê-se Freud e Jung por aquilo que eles realmente são, e erige-se a tropia de querer ser mais. Mais humano. Mais alocentrístico.


Gojira é música.

A música.

A música para os meus ouvidos.


É música, eu sei. Apenas música. Mas apenas se o deixarmos.

sexta-feira, novembro 10, 2023

Weissbier

Quando, exactamente, é que "É uma caneca, se faz favor" se transformou em "É um copo com a mesma capacidade de uma caneca, se faz favor"?

GEE

Saquei da net um livro sobre o prazer e o orgasmo femininos.


Estava à espera de um PDF.

Em vez disso, estou a olhar para a directoria de download, e para um ficheiro intitulado "nao_existe.g".

Lingwistyka

De acordo com a morfologia da língua portuguesa, "tu", "ele" e "ela" são exemplos de pessoas verbais. Se bem que eu gostaria que vocês fossem só um bocadinho menos verbais, especialmente quando eu me estou a tentar concentrar no trabalho.

Kohl

"Percebo o que dizes mas, de cada vez que abres a boca, fico sempre com a sensação que é o álcool a falar," disse eu à Brandy.

quarta-feira, outubro 18, 2023

Spivak

Não sou nada fã daquelas pessoas que, numa discussão, e apesar de fornecerem factos, não só contribuem zero para o debate público, como afectam o bem-estar e a harmonia no mesmo.

Dito isto: "não-binário" é um adjectivo masculino.

terça-feira, maio 16, 2023

Begijnhof

Acho que vivemos num momento no tempo em que cada vez mais menosprezamos o silêncio.


Quase como se o espaço sonoro tivesse de estar sempre a ser ocupado com algo.


Não tem.


Nos dias em que quiser a vossa companhia, é isso que vos estarei a pedir.

A vossa companhia.

Não precisam de falar. Não precisam de preencher o vazio de palavras com músicas resquentadas pela rádio, ou com Tik Tokes prostituídos à bruta em partilhas pelo WhatsApp.


Dêem-me a vossa companhia.

Ela basta.

Não desdenhem do poder da vossa "mera" presença.

quarta-feira, fevereiro 01, 2023

Lipogramas

No início, o alfabeto latino tinha apenas uma vogal.

A zarabatana, a caravana e a cataplana foram inventadas nessa altura.

quarta-feira, novembro 30, 2022

Embarcações

"Nenhum homem é uma ilha," dizem-me "eles", enquanto eu vejo as tuas pontes de acesso a mim a desmoronarem-se a toda a volta.

sexta-feira, outubro 21, 2022

Catão, o Antigo

Para mim, há apenas dois tipos de oradores: os que falam, e os que nunca mais se calam.

terça-feira, agosto 23, 2022

Piados

Um pardal, uma galinhola e um noitibó entram num bar.

Pergunta o barista: "Então, o que vai ser?"

O noitibó vira-se e diz: "Nada, estamos só a passarinhar."


Esta piada não é para tordos.

segunda-feira, agosto 22, 2022

Suppa

 Tenho uma amiga que está a atravessar uma crise de identidade.

Chama-se Juliana mas é sopinha de massa.

segunda-feira, julho 25, 2022

Serápis

 Hades é o deus do reino subterrâneo, do mundo inferior, das trevas onde o destino das almas é traçado.

É também o irmão mais velho do Fostes e do Dissestes, e primo afastado do Quisestesio.

Peixe, peixe, peixe

 Sempre achei o Poupas uma aberração.

E há um filme da Rua Sésamo a ser planeado ainda para este ano.

Sou terminantemente contra trazerem essa personagem de volta.

Por mim, #nãopassarão.

quarta-feira, julho 13, 2022

O lobo solitário

Meto a sopa de agrião, a salada de frango com massa e rúcula e a lata de Guinness no tapete.

As coisas são agarradas e a máquina faz pi três vezes.

"É só?," interroga-me a moça.

"Sou, sim. Desde que a perdi. E vou pagar com cartão."

segunda-feira, junho 20, 2022

Sirtes

Não quero ter os pés bem assentes no solo. Não enquanto esta realidade for feita de areia movediça.

segunda-feira, maio 30, 2022

Martim Escorso

Não sei quanto a vocês mas, para mim, em termos de freguesias, Mem há só uma.

quarta-feira, dezembro 15, 2021

Chancelas

Há gestos que nos marcam.

Especialmente aqueles de puxar a mão atrás.

segunda-feira, fevereiro 22, 2021

Encara o passado. E sê copiosamente derrotado. E torna-te nele.

Brilhante.

O ritmo. A ambiência. A criatividade nos puzzles. A beleza mórbida de cada cenário. A atenção embebida em cada pormenor. A cadência dos acontecimentos. A navegação constante entre o amoroso e o obscurantismo. A envolvência e o investimento emocional colocado nas personagens apenas com recurso a narrativa sem diálogo. A música arrepiante do Tobias Lilja.

E o final. Meu Deus em que não acredito, aquele final. O tie-in perfeito com o primeiro jogo.

Depois de uma primeira instalação fenomenal, era missão quase impossível a sequela estar à altura.
Era, mas o facto de já ter acabado o jogo três vezes demonstra que não o foi.
Obrigado, Dave Mervik, pela dedicação ao projecto, e por mais esta pérola.


segunda-feira, fevereiro 01, 2021

Fragmentos


Reconstruí-me.

Peça a peça.

Mas continuo sem ver o desenho final.

Estou incompleto.

terça-feira, janeiro 19, 2021

Enterros

Porque tardam os meus ossos a transformar-se em cinza, quando tudo o resto já é preto e branco?

quarta-feira, janeiro 06, 2021

Haiku do acolhimento

Sem deus, sem um chão

Sozinho no meu covil

Com frio, hiberno

quarta-feira, dezembro 30, 2020

De mão em mão

Não tremas mais.
Cerra-te num punho e espera que passe.

Estou aqui para ti.
E um dia voltarei a andar contigo dada.

domingo, novembro 22, 2020

O meu fim.

sábado, novembro 21, 2020

Por fim.

sexta-feira, novembro 20, 2020

E que dita.

quinta-feira, novembro 19, 2020

Verdade seja dita.

quarta-feira, novembro 18, 2020

Uma mentira.

terça-feira, novembro 17, 2020

Sempre fui assim.

segunda-feira, novembro 16, 2020

Sempre foi assim.

domingo, novembro 15, 2020

É mentira.

sábado, novembro 14, 2020

Mentira.

sexta-feira, novembro 13, 2020

Mas nem sempre foi assim.