Espera aí que eu já te conto uma estória
José acordou maldisposto.
O Sol batia-lhe de frente nos olhos, rompendo através da persiana aqui e ali entreaberta da janela do quarto.
José não foi de modas e, irritado, enfaixou no Sol cabeçada tal que o Sol ficou os três dias que se seguiram sem brilhar.
Cambaleante e rabugento com o sono, José renunciou à preguiça e, saindo do reconfortante calor das mantas, José sentou-se na berma da cama apenas para descobrir que lhe faltavam os chinelos, e o chão ainda era coisa para estar frio.
Até quase que parecia que o Destino lhe estava a pregar uma partida.
Não sendo particular fã de que gozem com a sua cara, José arvorou-se e aviou uma carga de pancada no pobre do Destino que este nem sequer chegou a ver a matrícula do que o atropelou.
De caminho, ainda aproveitou para encetar dois ou três bananos no dia só porque este estava a teimar em não lhe começar bem.
"Que agressividade que tu tens, José", disse-lhe a quintessência do Ser, que até ali tinha estado no seu cantinho filantrópico a assistir a tudo.
"Devias ter um pouco mais de calma", rematou a quintessência.
José agarrou na quintessência do Ser pelos colarinhos e arrimou-a de encontro à parede, onde lhe explicou, com todas as letrinhas, que se ela voltasse a abrir a cavidade bucal apanhava uma trepa daquelas que já não se dão desde 1950.
A quintessência do Ser começou a choramingar a miúdo e, como amiúde sucede sempre que é atacado o Ser, veio de lá o Estar, na sua forma verbal, pronto a defender o seu congénere intransitivo.
Mais valia ao Estar ter estado quieto, pois José alçou das patongas e aplicou, logo ali, um real arraial de bordoeira.
Com um megarotativo, três estampilhas, meia dúzia de lamparinas e um par de bofetões, José parou de parir as doses de amargor que deixaram o Ser e o Estar sem saberem quem eram e onde estavam.
Não porque julgasse que a dose já era mais do que suficiente, mas porque já lhe doía as mãos de tanta bolachada.
E parecia que nada justificava a superfluidade de tamanha violência.
"Não é para isso que aqui estamos", ecoou pelo Universo, e também pelo quarto de José, a eterna enunciação do porquê de estarmos aqui.
José ergueu um daqueles olhares ameaçadores que dizem tudo.
E o porquê de estarmos aqui, esse, piou baixinho...
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